ENTREVISTA
Para Karimme Silva, artista amazônida, a música popular do Norte deve reivindicar seu lugar na MPB. “Acho importante demarcar o Nortista nesse lugar que muitas vezes foi - e é - esquecido na MPB. Pra mim, a MPB tá no brega, no samba, na batucada, no carimbó, no maracatu, no coco, no forró pé-de-serra, em tudo aquilo que é sonoramente popular e alcança uma coletividade. A ideia de MPB ficou muito centrada num sudeste que não é sozinho o Brasil. Nós somos o Brasil e a nossa música é popular pois vem/é das relações e conexões do povo brasileiro", defende.
Nesta toada, Karimme prepara o lançamento do seu primeiro trabalho solo, o EP “Karibé”, termo que faz alusão ao caldo de farinha consumido no Norte - um alimento que cura, dá força e sustança, também é o apelido de infância de Karimme. Com cinco canções autorais, o disco marca os dez anos de carreira da artista, que há uma década se dedica à pesquisa entre linguagens cênicas, literárias e musicais.
No trabalho, Karimme saúda seus antepassados, fala com seus guias, e abre caminhos a partir da narração da própria história - que se conecta com as memórias de todo amazônida. “Se o caminho para fazer a boa música autoral na Amazônia não se abre pela porta ou pela janela, nós abrimos com o terçado, pois é assim que se arruma espaço para plantar coisas novas”.
Atriz, Karimme conta que foi o teatro que a levou até a canção. “Acho que tem uma coisa muito importante que o teatro me deu: o compromisso com a presença. Foi um corpo no palco abrindo camadas para diversos personagens, e me deu espaço para a música. Desde a primeira peça que participei, Um Certo Caboclo, de 2012, eu já cantava em uma personagem. Isso abriu oportunidades para participar de projetos musicais em Belém”, conta.
Com uma proposta de trabalho envolvendo performance sonora, Karimme, que é doutoranda em Artes pela Universidade Federal do Pará, é uma das fundadoras do projeto musical Manto, atuando como compositora e intérprete desde o ano de 2017.
Buscando traduzir por meio da música as atmosferas e a ancestralidade entre a mata profunda e a selva de pedra na Amazônia Contemporânea, o projeto nasceu de uma parceria com o artista paraense Mateus Moura e o encontro da dupla gerou frutos, como um disco lançado em 2021 que entrou na lista dos 25 melhores álbuns independentes daquele ano, segundo o site Hominis Canidae, especializado em música, e shows do projeto lotados pelo público.
Confira a entrevista exclusiva com Karimme Silva, que fala sobre a cena autoroal na Amazônia e sobre seu mais novo projeto Karibé, que chega às plataformas digitais no dia 22 de novembro, e pocket show de lançamento no dia 29, no Teatro Cláudio Barradas, com entrada franca. Clique aqui para conhecer o trabalho da artista.
1) Karimme, qual o cerne criativo de Karibé? Como definir a sonoridade e poética do projeto ao público?
Karibé parte de relações de memórias, de um reencontro com a infância e suas lembranças, mas além disso, parte de uma relação com memórias coletivas. Na busca desse “alimento sonoro”, como defini esse projeto desde a sua origem, busquei um diálogo com as raízes, não só alimentares (maniva, macaxeira, mandioca, farinha que é a base do caribé), como também as raízes afetivas que vem antes da gente existir. O estilo de ‘Karibé’ é a Música Popular Nortista Brasileira. Acho importante demarcar o Nortista nesse lugar que muitas vezes foi - e é - esquecido na MPB. Pra mim, a MPB tá no brega, no samba, na batucada, no carimbó, no maracatu, no coco, no forró pé-de-serra, em tudo aquilo que é sonoramente popular e alcança uma coletividade. A ideia de MPB ficou muito centrada num sudeste que não é sozinho o Brasil. Nós somos o Brasil e a nossa música é popular pois vem/é das relações e conexões do povo brasileiro.
2) O disco faz essa conexão entre as regiões irmãs Norte e Nordeste. Como foi esse processo de pesquisa? Você circulou pelas regiões? Conta essa trajetória de pesquisa sonora para a construção do EP.
Tanto a região Norte quanto a região Nordeste são a raiz cultural do Brasil. Em ambas as regiões, existe uma multiplicidade de sons, cenas, estilos musicais e manifestações extremamente ricas que determinam quem nós somos. Acho que por isso a gente se reconhece e se aproxima: pela forma como nos enxergamos - por isso, regiões irmãs. É assim que o povo daqui e o povo de lá se vê, é porque SE RECONHECE. Conheço algumas cidades dentro do nosso estado - pretendo explorar ainda mais outras cidades nortistas, não apenas paraenses - e é nessas horas que percebemos o quanto o Pará é diverso além da capital Belém. Cidades como Tomé-Açú, Cametá e Marabá, por exemplo, possuem características muito únicas, principalmente no modo de falar das pessoas; Marabá bebe muito mais na fonte do Maranhão e da Bahia do que necessariamente do modo de falar de Belém. Essas coisas sempre me instigaram. Um sonho é carimbar toda a Região Norte e Nordeste; do lado nordestino, conheço o Maranhão (Pinheiros e Cururupu), as cidades de Maceió, Fortaleza e em breve - muito breve - o Recife.
Acho que nortistas e nordestinos tem uma força e um reconhecimento cultural tão forte, não só na música, mas em toda a cultura do país. Essa pesquisa sonora sempre propôs um EP que começasse no Norte e terminasse no Nordeste, como uma ponte mesmo - o lundu, os batuques, o boi, o baião, a MPB, o coco e o maracatu - tudo isso enquanto proposição de música popular pois do - e para o - povo, foram caminhos possíveis na construção das bases sonoras desse EP, onde Thales (violões e direção vocal), Helênio Cezar (baixo) e Kleber Benigno/Paturi (percussões) deram a excelente base musical que esse trabalho pedia.
3) Como é fazer música autoral contemporânea na Amazônia? O que essa cena tem a revelar sobre a arte no Norte do país? Entre os artistas atuais, o que mais chama a sua atenção?
Desde 2014, eu circulo pela música em Belém, seja como convidada em shows, participando em outros projetos, até de uma banda fiz parte nessa época. Inclusive me disseram nessa época que eu jamais lançaria uma música que fosse, olha só. Sobre essa pergunta, existe uma problemática que além de ampla, também consegue ser mais nichada: o espaço justo pros artistas independentes. Numa perspectiva ampla, Belém agora tem sido vista de forma mais aberta pelo Brasil, muitos nomes daqui foram (e seguem) levando a nossa música pro Brasil. Mas que Brasil é esse que há várias décadas se centrou só no seu Sudeste e instituiu RJ e SP como a música nacional? Todos nós, em todas as regiões, fazemos/somos a música nacional.
Em uma perspectiva mais restrita, de nicho, Belém não reconhece a cena de Belém. Digo que é uma visão nichada, pois os nichos existem e sempre existiram - isso também é um problema. Mas pelo menos desde 2017 ajudei a levantar um projeto (na fundação, composição e interpretação) que é o Manto. Muita gente passou por esse projeto de música independente, sempre tivemos ótimos profissionais da música participando, só não rolou o espaço suficiente e justo para apresentarmos nosso trabalho - fomos aprendendo a fazer a nossa própria cena - e o nosso disco de 2021 que foi eleito um dos melhores discos independentes, quais artistas de Belém conseguiram isso a nível nacional? Mas nós não tínhamos esse background todo dos nichos. O Manto foi e é valorizado em outros locais e com isso te afirmo que fazer música autoral contemporânea na Amazônia é difícil, se não tiveres o melhor edital ou o maior nicho.
Segue sendo uma luta. Mas contra fatos não há argumentos e contra a obra não há restrições: nas plataformas elas seguem onde precisam chegar e meu trabalho com o Karibé também vem com essa proposta de pesquisa - conceitual, estética e sonora. Se o caminho para fazer a boa música autoral na Amazônia não se abre pela porta ou pela janela, nós abrimos com o terçado pois é assim que se arruma espaço para plantar coisas novas. Sobre artistas atuais, eu gosto muito da voz do Flor de Mururé e do Naré com a banda Samaúma; de cantoras eu destacaria as incríveis Lariza e Mainumy; e de grupos, além do Manto, o trabalho do Nação Ogan, Florisse, Tamboiara Amazônia e Toró-Açu. Acho que estes artistas são o sumo de raiz que nossa cidade/estado tem de melhor.
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