Teatro
A Amazônia tem um jeito muito próprio de cuidar, nascido da sabedoria ancestral dos povos da floresta que mistura a potência da flora e fauna, com as encantarias caboclas. A atriz e pesquisadora Ana Marceliano convida o público a entrar nesse universo com o espetáculo "Quem procura Cura". Um mergulho que vai navegar por territórios ribeirinhos de Belém em uma temporada que estreia nesta sexta-feira (21), no Ver-o-Peso e em Outeiro, e, no sábado, chega ao Combu. A entrada é franca.
Com a linguagem cheia de humor ácido da bufonaria, o solo autoral nos apresenta Darcy, a dita “charlatona”; sua mãe, feiticeira; e sua avó, a cobra. Em seu “Consultório de psicologia popular de rua”, a bufa Darcy faz consultas e atendimentos duvidosos, de ordem espiritual, psíquica, material e motivacional. É de forma cômica que se revela ao público com a promessa de cura para todos os males.
Quando o atendimento é mais complicado e exige magia mais poderosa, Darcy recorre ao auxílio de sua mãe. Para isso, retira da sacola que carrega consigo uma máscara e a veste, dando vida diante dos olhos do público a este novo ser que é sua própria mãe. A mãe é uma anciã curandeira, conhecedora do poder das ervas e feitiços caboclos, que, assim como Darcy, realiza curas e atendimentos de forma atabalhoada, com humor. Se ainda assim o caso do espectador não for solucionado pela mãe, Darcy recorre ao auxílio de um outro ser que também carrega em sua sacola, a sua avó, que é uma cobra coral, chamada Honorata, criatura que um dia já fora humana, mas hoje é encantada em forma de cobra e traz consigo mistérios e saberes mais antigos e poderosos.
Selecionado pelo “Edital Lei Paulo Gustavo”, o ato poético “Quem Procura Cura” faz parte da pesquisa de mestrado “Atos Performativos De Cura - Memória, Riso e Subjetivações Cabocla em Belém do Pará”, da Universidade Federal do Pará. Além de Ana Marceliano na atuação, a peça traz acompanhamento poético de Wlad Lima, orientação de pesquisa de Ivone Amorim, visualidade de Aníbal Pacha, produção de Tainah Fagundes, e Ruber Sarmento, assistente de produção e cenotecnia.
Confira, a seguir, o bate-papo com Ana Marceliano sobre o novo trabalho:
1. Ana, essa obra é inspirada na sua história. Você cresceu envolta nessa sabedoria popular de cura? Conta um pouco como foi, quais suas memórias dessas encantarias? Foi em Belém?
Sou nascida em belém, criada até os 7 anos em Alenquer, região do baixo tapajós. Minha experiência de mundo sempre esteve muito ligada à natureza, à floresta, ao rio e acho que isso se reflete na minha produção artística. Minha relação com as curas amazônidas vem da relação com as mulheres da minha família e do entorno, em Belém mesmo. Durante a infância conheci algumas dessas curas pelas mãos delas, como um remédio caseiro pra curar a garganta, ou um benzimento com folhas daquela vizinha da rua que tirava quebranto. Nada muito diferente do que boa parte dos paraenses já vivenciou e ainda vivencia. Mas estas memórias de infância com certeza alimentam o processo criativo desta obra que vai estrear.
2. Como se dá essa relação com o público feminino no espetáculo?
Será a estreia deste novo trabalho. A expectativa que eu tenho é de conseguir me conectar a todos os espectadores, mas sabendo que as mulheres provavelmente irão se identificar mais, pois são as mulheres em sua maioria que ocupam estes lugares da cura e do cuidar do outro. Mas o espetáculo é para todas as idades, todos os públicos, inclusive contará com intérprete de LIBRAS para garantir a acessibilidade ao público surdo.
3. Entre essas "curas" que se dão no palco neste espetáculo, relata algumas das questões que você aborda?
A personagem é uma mulher curandeira atrapalhada, ela tem boas intenções mas se atrapalha em passar o remédio, até porque o saber dela não é muito valorizado e ela acaba esquecendo. O espetáculo trata desse conflito, o apagamento desses saberes e ao mesmo tempo essa resistência em praticá-los apesar do descrédito que se cria sobre estas práticas.
4. Qual a importância de manter as práticas de cuidado e cura na Amazônia, a partir dessa sabedoria ancestral?
A importância de manter práticas de cura e cuidado ancestrais é que quando fazemos isso estamos validando estes saberes. E esta validação vai de encontro aos interesses do estrangeiro e do capital, que tenta de todas as formas sobrepor a sua cultura, seus ideais, sua forma de ver o mundo. Essa disputa acontece porque aquele que olha este território de fora sabe que para vender o seu modo de vida ele precisa invalidar o modo de vida do outro. Assim acreditamos que o remédio da farmácia é sempre melhor que um natural, porque essa ideia nos foi vendida e nós estamos há tempos acreditando nesse tipo de coisa. A dominação de um povo sobre outro acontece assim. Mas, não me entenda mal, eu não estou dizendo que o remédio da farmácia não é bom. Não é isso. A medicina alopática funciona e muitas pessoas dependem dela, é maravilhoso que possamos ter acesso ao sistema público de saúde nesse país. O que estou dizendo é apenas que este mesmo sistema de saúde pode e deve cada vez mais valorizar os saberes ancestrais de cuidado que temos na região, as parteiras, rezadeiras, erveiras, mães de santo, são figuras fundamentais na nossa cultura e que amparam suas comunidades até mesmo quando o sistema publico não consegue fazê-lo. O espetáculo vem para tratar destas questões, mas de forma leve e humorada, o próprio riso é uma forma de cura, necessária na vida de todos nós, assim como a prática das artes também é.
Serviço:
Temporada ribeirinha do espetáculo "Quem procura Cura":
Dia 21 de junho (sexta)
Local : Mercado do Ver-o-Peso
Hora : 16h
Gratuito
Dia 21 de junho (sexta)
Local : Outeiro - Fundação Escola Bosque
Hora : 20h
Gratuito
Dia 22 de junho (sábado)
Local : Combu - Centro Comunitário de Piriquitaquara
Hora : 10h
Gratuito
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